quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Um Filme Sobre o Espírito Brasileiro


Tamboro, de Sérgio Bernardes

Existe um espírito brasileiro? A alma de um povo? Parecem ser estas as questões que Tamboro, que faz parte do Festival do Rio, procura responder. Um projeto com duração total de quinze anos, é sem dúvida um dos maiores, senão o maior filme sobre o Brasil em todos os tempos. Com uma sucessão de imagens belíssimas, aéreas das cidades e das florestas, planos detalhes da natureza e do fazer humano, closes nos rostos mostrando uma infinidade de tipos, numa sucessão impressionante de planos, com uma riqueza audiovisual poucas vezes vista na história do cinema, o filme mostra o Brasil; mostra numa perspectiva não somente contemplativa, mas de utopia, pensando o futuro.

Em termos de literatura, o filme pode ser comparado a Os Sertões, de Euclides da Cunha, obra dividida entre A Terra, O Homem e A Luta, na tentativa de encontrar uma identidade brasileira. As favelas, as manifestações do folclore, os índios, as faces dos habitantes do país, suas crenças e seu trabalho: O Homem. A natureza, a Amazônia, os pássaros, as flores e árvores, os rios, montanhas e mares: A Terra. A luta dos Sem-Terra, o desmatamento da floresta, os conflitos entre ricos e pobres, a violência, o tráfico de animais silvestres: A Luta.

É claro que a comparação não é simples, uma vez que o filme traz em si traços modernistas, uma utopia de Brasil, mostrando o aqui e agora, mas de olho no futuro. As entrevistas e cenas com personalidades conhecidas mostram um pouco do que é o Brasil e do que se pretende enquanto projeto de nação: Leonardo Boff, Rose Marie Muraro, Aziz Ab´Saber, Ailton Krenak, Seu Jorge, todos eles revelando diferentes perspectivas de Brasil, somados ao depoimento de uma série de outros brasileiros desconhecidos.

Mas, é importante dizer, estas falas e entrevistas são absolutamente econômicas, o que se vê o tempo todo é um discurso de sons e imagens em movimento, bem ao estilo d`O Homem com uma Câmera, de Dziga Vertov, ou Chuva, de Joris Ivens, ambos de 1929. A profusão de imagens (não me lembro de ter visto um filme com tantos planos) cria uma espécie de enciclopédia audiovisual brasileira, mostrando muito do que nunca foi visto sobre o Brasil, ou o que foi visto, mas de forma diferente. Não é uma enciclopédia, pois em cada imagem está a marca do autor, o cineasta Sérgio Bernardes, falecido prematuramente antes do término do filme. Minha visão é a de que ele tinha um material tão rico, não somente nos HDs que continham suas imagens, mas na sua mente, que não conseguiu sobreviver à complexidade das imagens que tinha dentro de si.


Acredito que Àgnes Varda está certa quando diz que o criador audiovisual funciona como a parábola de Jonas e a Baleia: vomita as imagens que estão dentro de si.
Esta obra monumental tem movimentos e ângulos de câmera fantásticos, uma câmera fantasmagórica que voa por cima dos caminhos das florestas e das pessoas. Um projeto faraônico que teve Rosa Bernardes, mulher do cineasta, como produtora, e montagem de Ana Costa, Joaquim Castro, Renato Martins e Alexandre Gwaz, além do próprio Sérgio Bernardes. A direção de arte ficou a cargo de Domenico Lancellotti, e a trilha sonora é de Gulherme Vaz.

Ao assistir esta obra-prima cinematográfica, fico pensando que estamos numa espécie de Momento Brasil. As Olimpíadas, a Copa do Mundo, o Pré-Sal, a própria seca das plantações de cana-de-açúcar na Índia, que fez aumentar o preço do açúcar e incentivou as exportações brasileiras, tudo parece conspirar para a grandeza e para uma nova utopia de Brasil, há muito esquecida pelo que se denominou complexo de vira-lata. Talvez a cultura brasileira realmente tenha algo de singular e maravilhoso, como foi tantas vezes exaltado pelas gerações passadas e que parecia esquecido, ao menos nas últimas décadas.

Mas é preciso pensar estes Brasis, esta utopia de nação, não de cima para baixo nem de fora para dentro, como sempre aconteceu ao longo da História. Segundo Rose Marie Muraro, entrevistada no filme, existem dois caminhos a serem seguidos na vida, totalmente incompatíveis entre si: O amor pelo poder e o poder do amor. Será possível encontrar um caminho que contemple desenvolvimento e justiça social? Tamboro, na língua do povo ingaricó quer dizer: “para todos sem exceção”.


[Nota] Nunca vi o povo brasileiro tão “animado”, tão sonhador como nos últimos anos. O governo Lula parece que conseguiu fazer o que poucos governos conseguem: devolver ao povo a alegria de sonhar. Hoje, cada cidadão desse país continental bate no peito e diz: “Eu tenho orgulho de ser brasileiro. Eu vou seguir crescendo junto com esse país que amo.” Ao visitar um país vizinho (Bolívia) governado por Evo Morales (descendente indígena) percebi como a nossa nação (governada por um ex-operário) é valorizada. Nossos irmãos bolivianos são encantados por tudo que é nosso (nosso futebol, nossa cultura, nossa língua, etc.). O mesmo acontece em outras partes do mundo. E aqui dentro, em cada Estado, começa a acontecer o mesmo: valorização do que é nosso. Que esse momento de utopia siga até a concretização do sonho brasileiro: justiça social para todos.

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